terça-feira, 12 de outubro de 2021

Sobre a Terceira Perna em "A paixão segundo G. H.", de Clarice Lispector

    A Terceira Perna nos faz estáveis e organizados (para nós mesmos):
    "Essa terceira perna eu perdi. E voltei a ser uma pessoa que nunca fui. Voltei a ter o que nunca tive: apenas duas pernas. Sei que somente com duas pernas é que posso caminhar. Mas a ausência inútil da terceira me faz falta e me assusta, era ela que fazia de mim uma coisa encontrável por mim mesma, e sem sequer precisar me encontrar. (...) Estou desorganizada por que perdi o que não precisava?"

    Quantos de nós estamos apoiados nessa terceira perna por medo de encarar que a "verdade" nos foge? Que somos covardes demais para nos perder e, por isso, concebemos uma realidade para nos sentir estáveis e organizados?
    "Se tiver coragem, eu me deixarei continuar perdida. Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo - quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorientação".
    "Como se explica que o meu maior medo seja exatamente o de ir vivendo o que for sendo? como é que explica que eu não tolere ver, só porque a vida não é o que eu pensava e sim outra - como se antes eu tivesse sabido o que era! Por que é que ver é uma tal desorganização?" 
    "É uma desilusão. (...) Talvez desilusão seja o medo de não pertencer mais a um sistema. No entanto se deveria dizer assim: ele está muito feliz porque finalmente foi desiludido. O que eu era não me era bom. Mas era desse não-bom que eu havia organizado o melhor: a esperança. De meu próprio mal eu havia criado um bem futuro. O medo agora é que meu novo modo não faça mais sentido? Mas por que não me deixo guiar pelo o que for acontecendo? Terei que correr o sagrado risco do acaso. E substituirei o destino pela probabilidade." 

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 Desejo que lembrem de quem eu sou quando não tenho utilidade Quando não tenho nada a oferecer